Ele e
Ela tinham por hábito sair para um café. A conversa fluía e terminado o café
ficavam para um copo enquanto discutiam o estado do país (haverá tema mais
apaixonante?!), a nova música que ele produziu ou a última viagem dela à terra
dos avós. E passavam horas, minutos e segundos que caso eles fossem inquiridos
afirmariam, com convicção, não ter passado. Mas o relógio não mente e a dada
altura exibia o princípio do amanhecer. Ele vestia o casaco, Ela dirigia-se ao
balcão para pagar e saíam. Caminhavam lado a lado enquanto o passeio permitia e
Ela à frente quando tal não era possível. Sorriam.
Param
naquela esquina em que deveriam seguir direcções opostas. Ele pergunta-lhe:
- Partilhamos
um cigarro?
Ela
raramente fuma, mas acede. E enquanto passam o cigarro de mão em mão, cria-se
um tempo.
- És
tão bonita! – murmura Ele. Acrescentando,
- Por
fora e nesse teu dentro…
- Fala
o homem com a namorada mais invejada no nosso grupo de amigos! – murmura Ela,
sorrindo.
- A
qual não trocaria por mais fascínio que exerças sobre mim. – afirma Ele.
-
Explica lá isso? – questiona Ela com o à-vontade dos muito próximos.
- Acho
que gostaria demasiado de ti, numa medida que seria difícil corresponderes.
Gostarias sempre menos um pouco do que eu de ti… acho!
O
cigarro acabou e despediram-se com aquele beijo de todas as noites. E, já de
costas voltadas, Ela sorriu e Ele*.
*Nas relações há sempre
alguém que ama e alguém que é amado. Nunca na mesma medida. Quando somos amados
o “poder” é nosso. Alguém atira o seu mundo ao ar por nós. Quando amamos o
“poder” não é nosso. Atiramos o nosso mundo ao ar por alguém. Vale a pena amar
desta última forma? Vale. É correr o risco de vir a amar na mesma medida. Na
medida inteira! Afinal “o amor é
uma doença,/Quando nele julgamos ver
a nossa cura!”